
Não foi um acontecimento.
Não houve luzes celestes, nem trombetas, nem anjos disfarçados de gente.
Foi apenas um fim de tarde comum —
daqueles que a maioria das pessoas deixa escapar pelas frestas do dia.
Mas algo me fez desacelerar.
Talvez um cansaço antigo, ou o silêncio entre um pensamento e outro.
Talvez a alma, que andava faminta e eu não percebia.
Saí para caminhar sem pretensão.
As ruas da cidade me acolheram como quem conhece meus passos de outros tempos.
O céu começava a se pintar com aquelas cores que não têm nome —
um degradê de cansaço e beleza.
Observei.
Simplesmente observei.
E percebi: as pessoas vivem sem perceber que estão vivas.
O mercado, a padaria, o semáforo… tudo se tornou pressa.
Não veem mais o brilho no gesto de comprar pão,
nem o milagre discreto de andar de mãos dadas com um filho.
Vivem como se a vida fosse sempre amanhã.
Mas ali, no meio do trânsito, do ar impuro misturado ao perfume de jasmim,
senti algo parecido com uma paz.
Uma conexão com o Todo —
não uma visão mística, nem um delírio esotérico —
mas um instante de presença que doeu e curou ao mesmo tempo.
Foi quando me veio uma lágrima.
Não pela tristeza — mas pela beleza.
Essa que a gente só nota quando para de procurar.
Essa que se esconde nas esquinas da cidade,
esperando alguém que saiba olhar.
Naquele instante, entendi:
quero mais disso.
Quero sentir a vida, não apenas atravessá-la.
Desde então, caminho como quem reza com os pés.
E percebo que a cidade tem olhos.
E que a vida — quando a gente para —
também nos observa de volta.