
Sobre os gestos que se perdem, as doações que se recolhem e o mundo que esqueceu como dar sem esperar de volta
Vivemos cercados de pequenos rituais emocionais.
Pessoas que dão, e logo tiram.
Que oferecem de coração aberto, e recolhem por orgulho ferido.
Gestos que pareciam amor, mas eram apenas espelhos do ego.
É fácil romantizar a generosidade, mas difícil praticá-la sem máscaras.
E talvez esteja aí a tragédia silenciosa dos nossos tempos:
não aprendemos a doar de verdade —
apenas a performar o dom.
A ilusão da dádiva pura

Quantas vezes vimos alguém oferecer algo com carinho,
e, após um desentendimento — muitas vezes bobo, infantil —
tomar de volta aquilo que um dia foi dado de bom grado?
O que leva uma pessoa a fazer isso?
No fundo, está o ego.
Esse pequeno deus que habita nossos gestos e nossas carências.
Mesmo a bondade, quando movida por expectativa,
torna-se dívida disfarçada.
E quando o outro falha em corresponder,
recolhemos a dádiva como um castigo.
Poucos ainda sabem o que é doar sem esperar eco.
Poucos suportam o silêncio que vem após um gesto não reconhecido.
E muitos confundem oferta com investimento emocional.
Uma sociedade que ensina a vencer, não a servir

Mas não há aqui julgamento, apenas constatação.
Porque ninguém ensina a doar.
Ensina-se, sim, a conquistar, competir, vencer.
Crescemos ouvindo que sucesso é status, dinheiro, reconhecimento.
A “subida na vida” foi reduzida a um gráfico de lucros.
E o verdadeiro crescimento — aquele invisível, interno,
que nos afasta do ego e nos aproxima do outro —
foi esquecido no fundo da alma.
Por isso, tantos dão para parecer bons.
Para serem vistos.
Para se validarem no teatro da moralidade pública.
É a falsa humildade travestida de caridade.
É o marketing do eu, com filtro de virtude
O fracasso de uma vitória sem alma

Talvez o maior fracasso do nosso tempo
seja confundir sucesso com visibilidade,
crescimento com acúmulo,
e amor com posse.
Quem se recusa a entrar nesse jogo é visto como estranho,
ou, pior ainda, como fraco.
Mas há força em não ceder.
Há dignidade em doar-se sem plateia.
Há lucidez em perceber que aquilo que chamam de vitória
é, muitas vezes, só um disfarce bem montado para o medo.
A centelha

Diante de tudo isso, é fácil perder a esperança
de que um futuro socialmente saudável seja possível.
Mas talvez a saída não esteja em salvar o mundo,
e sim em manter viva uma centelha.
Ser pequeno lume na noite escura.
Não para iluminar o todo,
mas para não se apagar.
Dar, mesmo que ninguém veja.
Amar, mesmo que não haja retorno.
Crescer, mesmo que o mundo só enxergue o que se pode medir.
Esse é o verdadeiro sucesso.
E é para poucos — mas é desses poucos
que nascem os verdadeiros recomeços.