Há uma pergunta silenciosa que atravessa séculos, tradições e mestres: por que insistimos em nos apegar ao que, por natureza, não pode durar?
Buda, Sêneca, Epicteto, Aristóteles, Padmasambhava — cada um à sua maneira apontou para a mesma direção: a matéria é efêmera; o apego, um convite ao sofrimento.
E ainda assim, continuamos agarrados.
Como se pudéssemos deter o vento com as mãos.
A alegria que evapora
Pense no objeto que você desejou por meses — talvez anos.
A euforia ao conquistá-lo é real: uma chama breve, brilhante, quase ingênua.
Mas, passado o instante, o que resta?
Um objeto inerte.
Num canto. Pegando poeira.
Voltando às suas mãos apenas no dia da faxina, antes de ser vendido, esquecido ou jogado fora.
A conta é simples e cruel:
investimos tempo, energia e vida em algo que nos retribui com um prazer que dura menos do que o esforço empregado.
E, como bem sabemos, para quem vive de salário e vende horas ao empregador, tempo é literalmente vida convertida em moeda.
Se o retorno é tão curto, por que insistimos?
O mundo é composto — e tudo o que é composto se desfaz
A filosofia budista resume em uma frase o que a experiência comprova:
“Tudo o que é composto é impermanente.”
A natureza inteira é sustentada pela dança da transformação:
- a planta se alimenta do solo,
- o solo se nutre de vidas que deixaram de existir,
- a lagarta devora a planta,
- a borboleta nasce da morte da lagarta.
Nada permanece.
Nada mantém a forma.
Nada escapa ao fluxo.
Se até um ser vivo — com pulsação, respiração e instinto — se desfaz, por que imaginar que nossos objetos resistiriam ao tempo?
Todo aparelho, toda roupa, todo carro, toda casa… tudo é um empréstimo temporário da matéria.
Um dia, tudo volta ao pó.
Então por que insistimos em tratá-los como eternos?
Desejos que não são nossos
Há um momento em que a reflexão se torna mais incômoda:
quantos dos nossos desejos realmente nascem de nós?
Você acredita mesmo que precisa de um carro?
Ou apenas quer porque o vizinho comprou?
Porque disseram que sucesso tem rodas?
Porque o ego gosta de se vestir de metal brilhante?
Às vezes, um transporte coletivo resolve.
Às vezes, um Uber é suficiente.
Às vezes, não precisamos de nada disso — apenas fomos treinados para achar que precisamos.
Vivemos numa cultura que fabrica necessidades.
E chama “conquista” aquilo que, no fundo, é só um objeto com prazo de validade.
Um aluguel disfarçado de vitória.
O preço do apego
O apego tem um custo:
ele cobra tempo, energia, dinheiro e paz.
E, no final, entrega apenas um punhado de prazer passageiro —
um eco distante da euforia que tanto prometia.
Quando entendemos isso, as palavras dos mestres deixam de ser metáforas e se tornam advertências:
O que se apega ao impermanente sofre inevitavelmente.
Então… vale a pena?
No fim, resta apenas a pergunta que marca o início de qualquer transformação interna:
Para você, vale a pena investir sua vida em algo que já nasce condenado a desaparecer?
A resposta não é filosófica.
É íntima.
E talvez seja o primeiro passo para uma liberdade que não depende da posse, mas da clareza.
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