
Obedecer a Deus por medo do inferno é como amar alguém por medo da solidão.
Não é amor. É pavor disfarçado.
Vivemos numa época em que até a fé se tornou uma apólice.
Seja sincero: você reza porque crê, ou porque teme o tinhoso?
Vai à missa como quem cumpre um protocolo jurídico da salvação?
Cumpre os mandamentos como quem coleciona pontos no céu?
Kant diria que agir por medo não é moral.
Pascal sussurra que é melhor prevenir — “vai que Deus existe”.
Spinoza, com sua serenidade radical, desmonta ambos:
“Esperança e medo são duas faces da mesma ilusão.”
E então tudo se desfaz. A fé deixa de ser virtude e se revela transação.
Esperança? Medo.
Medo? Esperança.
No fim, obedecer a Deus por interesse é como dar esmola só quando há plateia.
E se o inferno for real?
— Perguntam.
Então vale tudo: uma missa por semana, um jejum, uma lágrima no altar.
Basta parecer justo para não arder no caldeirão.
Mas quem age assim não é piedoso.
É apenas um bom investidor espiritual.
Egoísmo disfarçado de devoção.
Virtude movida a pavor.
Um teatro onde o inferno é o roteiro e o céu, o cachê.
De que vale a ética que nasce do medo?
De que serve o bem praticado por conveniência?
Talvez o verdadeiro santo seja o que age bem mesmo sem promessas.
Mesmo sem céu. Mesmo sem inferno.
Apenas porque amar o bem é melhor do que temer o mal.
Ou talvez — só talvez —
o verdadeiro inferno
seja viver uma vida inteira ajoelhado…
por medo de arder.